segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Lixo de construções tem destinação irregular


Terreno baldio na Caximba, próximo à divisa de Curitiba com Araucária: pilhas de lixo de construção perto de um córrego que deságua no Rio Barigui

O aquecimento do mercado imobiliário tem gerado um efeito colateral preocupante para Curitiba. Segundo o presidente da Associação dos Transportes de Resíduos de Curitiba e Região Metropolitana (Acertar), Adil­­son Orlando Penteado, existem hoje pelo menos 30 empresas de transporte de resíduos da construção civil irregulares trabalhando na cidade. Sem locais adequados para o descarte, os entulhos vêm sendo jogados em terrenos baldios e aterros clandestinos, colocando em risco o meio ambiente e a qualidade de vida das pessoas.

O lixo da construção civil é composto por diversos tipos de materiais, e cada um deles deve ter um destino diferente. Além de sobras, como tijolos, concreto e madeira, também são descartados materiais tóxicos, co­­­mo tintas, por exemplo. Ou­­­­tro agravante é o descarte irregular feito pela própria população, que muitas vezes joga seu lixo orgânico no meio dos entulhos. Por causa disso, é necessária uma triagem do material recolhido, o que não acontece nesses despejos ilegais.

Regras

As transportadoras são obrigadas, por lei, a depositar esse material em locais específicos. Algumas delas transportam o lixo para usinas de reciclagem, onde é separado e reutilizado para a fabricação de brita, areia e ou­­tros materiais necessários na construção civil. Outras têm aterros próprios. Em ambos os casos, o lixo orgânico e o tóxico são destinados para locais adequados. Entre­­tanto, as empresas irregulares não cumprem essa etapa e despejam esses entulhos em terrenos baldios – reduzindo seus custos de operação.

Segundo Penteado, esse crescimento foi muito forte nos últimos dois anos. A Acertar estima que cerca de 30% das transportadoras de entulhos que operam hoje em Curitiba estão irregulares. A Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA) diz não ter dados que comprovem esse aumento, mas afirma que, pelas de­­núncias, é possível perceber que houve, de fato, um crescimento.

Fiscais próprios

Para a Acertar, o principal problema é a falta de fiscalização da SMMA e do Instituto Ambiental do Paraná (IAP). “Esse órgãos precisariam ter fiscais próprios para atuar nesse segmento”, afirma Penteado.

Para a diretora do Departa­­mento de Pesquisa e Monito­ramento da SMMA, Érica Miel­­ke, a fiscalização é bastante di­­­fícil, especialmente quando esses resíduos são despejados em áreas públicas, como margens de rodovias. É difícil saber quem é o autor desse tipo de ação, nesses casos.

Érica explica, também, que a SMMA depende da colaboração da população para fiscalizar esses despejos, já que as ações partem, geralmente, de denúncias. As reclamações podem ser feitas pelo telefone 156. Além disso, algumas precauções podem ajudar a evitar esse tipo de problema. Proprietários de terrenos desocupados devem mantê-los sempre fechados, para evitar o despejo de caliça. Contratar apenas empresas re­­gularizadas na hora de descartar o lixo de uma construção também é importante.

Já a engenheira ambiental Flávia Deboni, do Departamento de Licencia­mento de Atividades Poluidoras do IAP, explica que há uma falta de funcionários na instituição, o que dificulta a fiscalização. O IAP é responsável pelo licenciamento de aterros sanitários na Região Metropoli­­tana de Curitiba, destino final de boa parte dos resíduos da construção civil da capital.


Produtor dos resíduos também é responsável

As transportadoras clandestinas não são as únicas responsáveis pelos detritos jogados em aterros ilegais. Segundo o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, o primeiro a ser responsabilizado é o produtor do lixo – ou seja, as empresas e pessoas físicas responsáveis pelas obras nas quais os resíduos são produzidos. Isso reforça a importância, na hora de construir, de conferir se as empresas contratadas para o transporte dos resíduos têm autorização da prefeitura para esse tipo de atividade.

No município de Curitiba, a listagem de empresas com cadastro na Secretaria Muni­­cipal de Meio Ambiente (SMMA) pode ser encontrada no site da Urbs (http://bit.ly/xITFoi). Ape­­nas empresas com cadastro na prefeitura estão autorizadas a realizar esse tipo de serviço. Se a obra é de outro município, vale buscar essas informações nas prefeituras locais.

Para grandes obras, a lei municipal exige que haja um Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos. Nesse plano, deve constar quanto material será descartado, qual empresa fará o transporte dos rejeitos e onde esse material vai ser depositado. Esse documento é necessário para a liberação do alvará da obra. Para obras menores, os proprietários devem procurar uma empresa devidamente licenciada e ela providenciará o gerenciamento.

Entretanto, para quem vai apenas fazer uma pequena reforma na casa, isso não é necessário. Se a quantidade de detritos for inferior a meio metro cúbico, o equivalente a cinco carrinhos de mão cheios, basta ligar para a prefeitura pelo 156 que ela própria se responsabiliza pelo descarte.

Atrativos

As empresas clandestinas contam com um grande atrativo em relação às legalizadas: podem realizar essas operações por um custo bastante reduzido, já que não pagam taxas à prefeitura nem são cobradas pela destinação do lixo. Isso coloca os clandestinos em vantagem na disputa por clientes. O presidente da Associação dos Trans­portes de Resíduos de Curitiba e Região (Acertar), Adilson Orlando Penteado, calcula que essas atividades impactem atualmente em 40% o faturamento das empresas legalizadas.


Estimativa

“Menos fiscalização agravou o problema dos descartes ilegais”

A suspensão do poder de multa da Diretran pode ter agravado o problema dos descartes ilegais. Antes de setembro, essas empresas afetavam entre 15% e 20% do faturamento das firmas legais. Entretanto, desde que a Diretran foi proibida de multar pela Justiça, esse número pulou para 40%, segundo a Associação dos Transportes de Resíduos de Curitiba e Região Metropolitana (Acertar).

Para colocar uma caçamba na Zona Central de Tráfego (ZCT), era necessária uma autorização da prefeitura, e quem fiscalizava isso era a Diretran. O alto número de agentes no Centro inibia a presença de empresas clandestinas nessa área, já que elas poderiam ter suas caçambas apreendidas. “Essas empresas atuavam somente na periferia da cidade”, afirma o presidente da Acertar, Adilson Orlando Penteado.

Entretanto, em setembro, a Justiça determinou que a Urbs, órgão do qual a Diretran fazia parte, não poderia aplicar multas, já que se tratava de uma empresa de economia mista. Segundo Penteado, as transportadoras irregulares aproveitaram esse vácuo na fiscalização e começaram a trabalhar também no Centro, oferecendo seus serviços a um preço mais baixo do que a concorrência e ganhando espaço no mercado.

Casos

Pilhas de lixo ladeiam córregos

A reportagem da Gazeta do Povo visitou três depósitos irregulares de resíduos sólidos da construção civil, todos na região Sul de Curitiba. Em todos os depósitos, lixo reciclável e orgânico se misturavam com a caliça. Moradores e pessoas que trabalham na região de dois desses lixões clandestinos confirmaram que os descartes são recentes.

No primeiro, uma fábrica abandonada no Capão Raso, um caminhoneiro, que não quis se identificar, deixava o local com uma caçamba vazia. Ele disse que não estava depositando lixo no local e que só estava buscando madeira, mas havia pilhas de entulhos por todo terreno. Moradores locais confirmaram que ele e outros caçambeiros jogam resíduos ali diariamente.

Outra área visitada foi um terreno baldio na Caximba, perto da divisa de Curitiba com Araucária. Ao lado do terreno, com dezenas de pilhas de lixo, passa um córrego que, pouco mais de cem metros para frente, deságua no Rio Barigui. Sem a separação adequada dos resíduos, era fácil perceber que havia, junto com os pedaços de pedra e madeira, lixo orgânico, que pode contaminar as águas do córrego.

Os moradores têm receio de confirmar o despejo de entulhos, mas um deles afirmou que os caminhões chegam de madrugada para realizar esse tipo de operação. Penteado confirma que a madrugada é um dos horários no qual esses descartes acontecem com mais frequência. “Esse tipo de atividade é feita fora do horário comercial, justamente para evitar fiscalização”, afirma. As pessoas reclamaram, também, do número de ratos que vivem entre as montanhas de lixo.

Já no Umbará, próximo à saída para Fazenda Rio Grande, um terreno relativamente pequeno está totalmente ocupado pela caliça. Entretanto, os funcionários de uma serraria que fica ao lado negaram que esse depósito seja recente.

Riscos ambientais

Segundo a engenheira ambiental do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) Flávia Deboni, os resíduos depositados de forma irregular são perigosos principalmente pelo fato de não passarem por uma triagem. “Tintas e solventes podem contaminar a água”, afirma. Já a caliça prejudica o solo e os sistemas de drenagem, o que predispõe à ocorrência de enchentes. (CM)

Para a prefeitura, essa relação de causa e efeito não existe. A assessoria do governo municipal informou que a única função da Diretran era verificar se essas caçambas estavam dispostas de acordo com a lei, já que a fiscalização das empresas é de competência da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA). (CM)

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