segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Série Plantadores de Florestas- Cap. VII- A defensora do pau-brasil


Ana Cristina Roldão, da FunBrasil, segue de perto os passos do pai, que dedicou 40 anos de sua vida ao plantio da árvore nacional


Ana Cristina fiscaliza o crescimento das mudas às margens do rio Capibaribe
Dos cinco filhos de Roldão de Siqueira Fontes, apenas a caçula saiu ao pai. Ana Cristina herdou do professor a paixão pelo pau-brasil e a imensa paciência para contar, recontar e redesenhar a história da árvore nacional. Enquanto o pai viveu, ela o acompanhou. Ele à frente, ela à sombra, ambos semearam, plantaram e ensinaram a manter bosques carregados de simbolismo por todo o Brasil.

Durante os 40 anos dedicados a promover o conhecimento sobre o pau-brasil, o professor Roldão distribuiu cerca de 2 milhões e 700 mil mudas da espécie, conhecida pelos cientistas como Caesalpinia echinata. Desde 1996 – quando ele se foi – Ana Cristina toca sozinha a Fundação Nacional do Pau-Brasil (FunBrasil), em Glória do Goitá, Pernambuco. Com a esperança confessa de um dia despertar o interesse dos netos gêmeos, Ana Beatriz e João Victor, hoje com 4 anos, e transformá-los também em plantadores de florestas.

Nascida Ana Cristina de Siqueira Lima, ela acabou adotando o nome “artístico” pelo qual a mídia sempre a tratou, numa referência ao pai: Ana Cristina Roldão. Aprendeu a cuidar de roças e criações no Colégio Agrícola de São Bento, onde ele lecionava. “Sou capa gado formada, como fala o povo daqui”, comenta, numa alusão ao seu conhecimento prático, pé no chão. E ainda se vira com a papelada da FunBrasil, que ajudou o pai a criar em 1988.

Aos 59 anos, com a filha única criada e casada, morando em Recife, Ana Cristina divide-se entre o cuidado cotidiano com a irrigação das mudas de árvores nativas; a coordenação dos convênios estabelecidos com prefeituras e empresas para reflorestamentos e o acompanhamento dos visitantes, tanto nas trilhas interpretativas do bosque que rodeia a sede da fundação, como por entre os objetos e as fotos do Museu do Pau-Brasil, ali vizinho.

Capaz de se multiplicar sem perder o fio da meada, Ana Cristina só lamenta a falta de recursos para fazer mais: mais mudas, mais campanhas educativas, mais plantios. Em sua gestão à frente da fundação, ela diversificou, passando a trabalhar com outras 42 espécies de árvores nativas, além do pau-brasil, como os ipês roxo e amarelo, a sucupira, o cajueiro, o angico, o angelim e o jatobá. Em alguns plantios, acrescenta mudas produzidas em outros viveiros para chegar mais perto da diversidade original das matas.

Vale lembrar que, no Nordeste, a Mata Atlântica original já ocupava uma faixa bem mais estreita junto ao litoral, se comparada ao domínio da floresta na região Sudeste. E o desmatamento também foi mais prolongado – desde o século XVI – e intenso, sobretudo para exportação de madeiras – como o pau-brasil – e para abertura de engenhos e cultivo de cana-de-açúcar. Por isso, restam hoje apenas fragmentos pequenos e pulverizados no mapa, quase todos em propriedades rurais ou em áreas públicas e não protegidos em unidades de conservação.

Sementes de pau-brasil colhidas no bosque da fundação, para produção de mudas

Cerca de 50 espécies nativas de madeira de lei são cultivadas no viveiro de Glória do Goitá (PE)

Irrigação diária das mudas de árvores nativas da Fundação Nacional do Pau-Brasil.


Assim, toda e qualquer mudinha que cresça e “vingue”, como se diz por lá, é uma vitória. Justifica a atenção redobrada e o apelido atribuído por Ana Cristina às suas plantas: “Chamamos de filhotas, não só as de pau-brasil, mas todas as mudinhas. São as filhas que nós plantamos com cuidado e dedicação. E esse amor que a gente coloca, a gente tem a pretensão de que permeie para quem pegar nelas. Que eles as tratem bem, como nós as tratamos”, explica. “Espero, em Deus e na força da natureza, que mais pessoas se sensibilizem e trabalhem na restauração e no retorno das grandes árvores, porque são elas que dão equilíbrio ao Planeta”.

No princípio, o trabalho de divulgação realizado por Roldão de Siqueira Fontes tinha motivos históricos. Como professor de História e Geografia do Brasil no antigo Colégio Agrícola de São Bento, ele se indignava com o desconhecimento da população a respeito da árvore que deu nome ao país.

O colégio técnico pertencia à Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), localizada no bairro Dois Irmãos, em Recife. Nos jardins de acesso ao prédio, existiam algumas árvores de pau-brasil, pelas quais o professor passava diariamente. No início dos anos 1970, ao descobrir que a espécie estava ameaçada de extinção, ele começou a coletar as sementes e formar mudas em latinhas e outros recipientes disponíveis, para distribuir aos alunos e seus familiares.

A iniciativa tomou vulto em 1972, quando o então reitor da UFRPE, Erasmo Adierson de Azevedo, aderiu à ideia do professor de promover uma campanha nacional em defesa do pau-brasil. “O reitor foi a Brasília de avião para o lançamento da campanha, mas papai carregou um caminhão com 10 mil mudas e foi de Pernambuco a Brasília distribuindo pau-brasil pelo caminho”, conta Ana Cristina.

A abordagem preferida do professor ainda hoje é utilizada por sua filha, com os visitantes da fundação e do museu: “Você já viu um pau-brasil, a árvore que deu o nome ao Brasil e aos brasileiros?”

A imensa maioria responde “não”. E ela emenda com considerações e casos, sempre em busca de adesões para suas campanhas anuais de plantio de bosques. Acaba “fisgando” voluntários com sua fala pontilhada de paixão. Mesmo quando o público a que se dirige é um grupo de jovens semi-internos da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase) de Recife. Durante esta reportagem, entre a palestra inicial e o passeio com os ex-infratores pela trilha do pau-brasil, Ana Cristina arrumou uma meia dúzia de interessados em ajudá-la a plantar.

O pau-brasil já foi uma árvore que alcançava 40 metros de altura e 1,5 metro de diâmetro no tronco. Hoje já não existem exemplares tão grandes. Ocorria naturalmente do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Norte, em uma faixa litorânea de Mata Atlântica com largura entre 80 e 150 quilômetros a partir da costa.

Ana Cristina dá uma aula sobre o pau-brasil a uma turma de semi-internos da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase), de Recife

Jovem árvore de pau-brasil, com cerca de 10 a 15 anos de idade

Do século XVI ao XIX, a madeira foi explorada principalmente para tingir tecidos nobres. O cerne do tronco da árvore adulta produz uma tinta de cor vermelho-carmesim, muito valorizada nos séculos passados, antes da descoberta do processo de fabricação de corantes sintéticos (1856). A tonalidade é semelhante à da tinta de outra árvore chamada brazil, originária da Ásia, usada antes do Descobrimento. O nome provavelmente foi emprestado dessa outra espécie, que era mais escassa.

Hoje, a principal exploração – ilegal – é para a construção de arcos de violino. Há notícias de algumas tentativas de cultivar o pau-brasil para abastecer os fabricantes especializados em instrumentos musicais, mas nenhuma experiência foi bem sucedida, por enquanto, embora a FunBrasil esteja empenhada em fazer alguns testes.

Por se tratar de uma leguminosa, a árvore não é muito exigente quanto ao solo. “Basta garantir a rega uma a duas vezes por semana enquanto a muda é pequena e ela vai bem em qualquer terreno”, garante Ana Cristina Roldão. O problema é o crescimento extremamente lento da árvore e a formação – mais lenta ainda – da madeira vermelha do cerne, que só aparece após o décimo ano.

As flores de pau-brasil têm 5 pétalas, sendo 4 totalmente amarelas e uma “pincelada” de vermelho. O fruto é uma vagem com espinhos, contendo de 3 a 6 sementes, em média. Quando a vagem seca, ela se abre e se retorce com tal violência que lança longe as sementes. “O objetivo é semear as novas árvores o mais distante possível da matriz, na renovação natural da mata. Algumas plantas têm sementes com cerdas, que agarram no pelo dos animais e só caem lá adiante, e outras usam esse recurso, conhecido como deiscência”, esclarece Ana Cristina. A rigor, o termo técnico é “deiscência explosiva”, o que dá uma ideia do poder de lançamento da pequena cápsula vegetal.

O pau-brasil também é chamado de arabutã, ibirapitanga, muirapiranga, pau-pernambuco, pau-vermelho e pau-de-tinta. Consta da Lista Oficial das Espécies da Flora Brasileira Ameaçadas de Extinção, elaborada em 2008 pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Ainda existem alguns exemplares de grande porte nos remanescentes florestais do Sul da Bahia, muito visados por traficantes, pois o corte está proibido, tanto pela legislação brasileira, como pela Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e da Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (Cites).

Já a maior concentração de árvores de pau-brasil plantadas fica na Estação Ecológica do Tapacurá, junto ao campus da Universidade Federal Rural de Pernambuco, com mais de 100 mil exemplares da espécie, metade dos quais fornecidos pelo professor Roldão de Siqueira Fontes, em meados da década de 1970.

Neste verão, a Fundação Nacional do Pau-Brasil estabeleceu um convênio com a Secretaria de Recursos Hídricos de Pernambuco para restaurar a mata ciliar de ambas as margens do rio Capibaribe, justamente a partir do rio Tapacurá, que dá nome à Estação Ecológica.

São 30 mil mudas de 50 espécies de Mata Atlântica, entre as quais estão numerosos exemplares de pau-brasil. O plantio conta com recursos do Fundo Estadual de Recursos Hídricos (Fehidro) e, claro, com a persistência de Ana Cristina Roldão em vencer o capim alto, as formigas, a escassez de chuvas e o fogo acidental (ou criminoso), até as “filhotas” se transformarem em árvores e sobreviverem por conta própria.

Fonte: National Geografic BR

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